30 abril 2010

maio maduro maio


Maio maduro Maio
quem te pintou
quem te quebrou o encanto
nunca te amou
raiava o sol já no sul
e uma falua vinha
lá de Istambul

sempre depois da sesta
chamando as flores
era o dia da festa
Maio de amores
era o dia de cantar
e uma falua andava
ao longe a varar


Maio com meu amigo
quem dera já
sempre no mês do trigo
se cantará
qu'importa a fúria do mar
que a voz não te esmoreça
vamos lutar

numa rua comprida
el rei-pastor
vende o soro da vida
que mata a dor
anda ver, Maio nasceu
que a voz não te esmoreça
a turba rompeu

Zeca Afonso


28 abril 2010

cinismo e bloco central



cavaco tanto pediu, as agências tanto ameaçaram...estava-se mesmo a ver no que isto ia dar. as agências,  quem são esses? são representativos de quem, esses das agências? são os nossos patrões globais, aqueles que não têm rosto, têm mas escondem-no. democracia?  democracia sim senhor, somos muito democratas, até admitimos que façam greves e manifestações. veja-se se isto não é o cúmulo da democracia, querem mais. ditadura? não senhor, ditadura não mas quem manda somos nós e ponham-se mas é a pau, senão ainda nos armamos em salvadores da pátria, que até já somos! para salvar a democracia! os gestores e os prémios vergonhosos? não são vergonhosos, são merecidos atingiram os objectivos. administração pública? salários minimos? desemprego? não há dinheiro, o país precisa de sacrífícios. vamos fazer auditorias às prestações sociais. grécia? lixo, a grécia? pois, e toca a aplicar o nosso plano de exploração capitalista! o voto? vocês votam em quem nós quisermos. uma frente unida, de esquerda contra o bloco central?  nós não deixamos!
a ver vamos!

26 abril 2010

pescarias em setúbal


belíssimo cenário o da arrábida, serra mãe de sebastião da gama, num verde refulgente de pinheiros bravos, coroada pela fortaleza três vezes filipina (construída por filipe I, denominda de s. filipe, sob o risco de fillipo terzi). a seus pés, entre a serra e o sado azul de golfinhos, a cidade de bocage . caminhando pelo cais sente-se o rio, que se enrola em pequenas ondas num marulhar de conchas, alongando-se na estreita língua de areia que a maré baixa descobriu. que paz! que sossego! traineiras regressam da pesca, quem sabe se carregadas de sarrdinha e carrapau. a brisa leve sopra nas faces e enfuna velas nas roupas. os pescadores da muralha lançam o isco para longe... com sorte virá um robalo, mas se for massacote ou alcorraz também não é mau. já umas esquilhas só mesmo no prato. ou uma sarda escalada, mas só se for com bastante sal e orégãos, para disfarçar o sabor do pechum desses petiscos de pobres e antigos pescadores. salmonete é só para quem lhe pode chegar. um cargueiro chinês abandona o porto da cidade sadina, enquanto os ferrys não param na sua canseira de trasvessias. o sado, um tudo nada picado por alguma aragem, oferece uma superfície de de diamantes faiscando ao sol, agora um pouco mais forte. apetece deitar na relva e preguiçar, lentamente.


















22 abril 2010

naquele bêco triste. carta de Dinis Miranda, preso político na cadeia do porto, a sua filha Eulália

Lálinha está á janela de dia vê o sol de Noite vê a Lua


Querida Lálinha

Muitos Beijinhos meus para ti e para a Mãezinha. O Carlos e o Fernando tambem te mandam muitos beijinhos. Aí tens o conto que eu te prometi mandar. Desculpa a demora. Manda-me dizer se gostas ou não. Gostava de saber a tua opinião. Gostas deste " tipo"ou preferes outro 'género' aguardo a tua resposta.

Conto Infantil
Naquele Bêco Triste

Debruçada na sua janela triste, a menina sonhava. Os seus cabelos eram cor do Sol, daquele Sol que ela amava mas que nunca penetrava naquele Beco escuro e sujo; os olhos eram cor do mar sem fim, que ela nunca vira...
Ela não via a sua rua estreita e feia, via-a larga e bela, via uma rua onde o Sol entrava todas as manhãs para lhes dar os bons dias e onde a Lua a visitava já tarde para lhes dar as boas noites.......E os seus lábios abriam-se num sorriso vago e mal definido.....
E a menina sonhava......É tão agradável sonhar!E tão consolador poder fazêlo sem contrangimento!
Os seus olhos como dois pardais errantes, andavam de telhado em telhado e perdiam-se para lá dessa rua estreita. O seu olhar de intensa luminosidade revelava uma secreta esperança de um futuro melhor um Futuro de Paz e de Tolerância.......
Menina dos olhos cor do mar, que sonhaste tu para assim sorrires?
Para além do teu Beco escuro e sujo, que viste tu, menina dos olhos cor de Esperança?»


O original deste conto infantil tem o carimbo da censura da pide! Foi enviado da cadeia do Porto em 30/08/1960, por Dinis Miranda para a sua filha Eulália Miranda ( Lála).
Dinis Miranda saiu em liberdade do forte de Peniche no dia 25 de Abril de 1974.

20 abril 2010

sonoridades do barreiro



o barreiro é uma cidade cheia de contrastes, nada monótona, ao contrário do que alguns poderão pensar. quem passear um pouco pelo barreiro pode ouvir as mais diversas sonoridades, desde os gritos das gaivotas que nos sobrevoam acima das cabeças, fazendo crer que estamos numa grande cidade portuária e trazendo-me à lembrança o porto de barcelona. mas isto não tem nada a ver com o facto de o barreiro já ter sido apelidado de barcelona portuguesa, algures no tempo do fascismo, aí pelos 30s 40s. talvez por comparação com a barcelona republicana e vermelha que resistia ao cerco franquista, o barreiro resistia, à sua maneira, aos assaltos da pide, aos olhares furtivos dos bufos às esquinas ou na secção da fábrica ou das oficinas, espiando para ir contar no escritório, quando chegavam os tais de óculos escuros e chapéu nos olhos. eles lá iam disfarçadamente, fazer o relatório ao pide de serviço, que ficava a saber quem fazia o quê, namorava quem, que curso tinha, quantos anos tinha chumbado, porque viajava tanto para o algarve, ah! é porque tinha passe da cp e o que ia lá fazer, ir buscar ovos e galinhas para vender no mercado do barreiro. e que papéis eram aqueles contra a guerra colonial, que tinham aparecido de manhã pelas ruas, e agora já íam a caminho de lisboa para serem arquivados. e quem foi o inteligente que mandou raspar as letras na parede das oficinas do caminho de ferro. raspou tanto que tirou a tinta e escavou as letras na parede. foi o filho da miss estaca, coitado, é um bocado atrasado não lhe explicaram bem, sr. presidente da câmara.veja mas é se mandam rebocar as letras a dizer abaixo a guerra colonial. sim sr. inspector...
tão migã! que vais tã distraídã!
esta sonoridade tão própria do barreiro camarro, quase parece alentejana de tão arrastada, trás-me de volta ao presente.
pois é maria, a pensar na vida, nas voltas que ela dá, felizmente!

17 abril 2010

ainda há pastores no barreiro


estas fotografias foram feitas no verão passado, mas quem quiser este ano ainda pode ver, o homem ainda lá vai pastar o gado nas margens da caldeira do sangue, entre o moinho grande e o do cabo. raridades deste nosso barreiro, enquadradas em molduras de beleza e esplendor.












por entre os altos prédios
num interstício
uma língua de caminho
entre alburrica e as caldeiras dos moinhos
elas aí estão
as ovelhas e o pastor


13 abril 2010

avizinham-se novas tempestades


as notícias que vêm dos states não são nada tranquilizadoras. a cimeira dos nucleares, que deixou propositadamente de fora o irão, persistindo na provocação àquele país, é um jogo muito perigoso. obama prémio nobel da paz, reincide nos erros de bush. está a fazer com o irão o que o outro fez com o iraque. depois de terem destruído o país e assassinado um número de civis que ainda hoje não conhecemos, os states, além de terem expurgado toda a classe política do país colocando lá uns da sua confiança, conseguiram os seus objectivos nessa guerra absolutamente abjecta: apossar-se das fontes produtivas de combustível do iraque. vieram depois lavar as mãos, e alguns governantes da europa fizeram o mesmo, desculparam-se que as informações de que dispunham sobre armas massivas eram falsas! entretanto já tinham feito todo o trabalho. e os que foram mortos não lhes intressa. a eles que cometeram tamanho holocausto nada lhes aconteceu. nem um pedido de desculpas ao povo do iraque.  agora vem obama com o mesmo discurso. achará, por ventura, que o pode fazer tendo no bolso o nobel da paz? será isto que o futuro nos reserva? seria mais avisado o presidente dos states tendo mais cuidado com a forma como lida com o irão. é que este país não é igual ao iraque. a sua reação pode ser imprevisivel.

09 abril 2010

LUZ MÉDIA por andrade silva

Há tanto anos,
Já nem sei quantos.
Partistes com alegria, imensa.
Era o teu destino.
Vencestes a escola,
Paris chamava-te.
Era o teu destino.
E a correr fostes para o futuro.
Vi-te partir, manhã cedo,
Voando, voando,
Leve, levemente.
Da beleza e da graciosidade
Eras a mais bela catedral.
Partistes.
Amei-te
Vivi a tua alegria.
Amei-te
Senti a dor da tua partida.
Mas Paris era o teu Evereste,
A realização dos teus sonhos
De arte e loucura.
Paris era a tua luz,
A oportunidade sonhada
Paris!… Paris!…
Ainda vieram cartas.
Depois o silêncio
A cidade luz vencia.
Paris ficou contigo
Espero que Paris te ame,
E que a tua graciosidade,
E que a tua generosidade….
Não!… Nunca!… Não!…
Tu vives, viverás sempre.
Amei-te
Já teu nome não sei, Amor!
Mas que importa um nome?
Amei-te.
E este nó apertado, seco, dorido
Na garganta me acompanha.
Amei-te à luz média da alma
E do coração.
Amei-te, é tudo quanto sei.
Amei-te
Luz Média do meu Norte.


Sem data, há muito tempo, chorando.

Andrade da Silva

07 abril 2010

entardecer


aldeia da serra
distante brancura
alvejando
na encosta azul
da lonjura

de lá
chegam falas
alongadas
pela planura

crianças pastam ao vento
com as doces mães
ovelhas
na aba
verde escura
das redondas azinheiras

correntezas de alvas águas
serpentinam pela serra
cinturas finas
de moça

a noite mansa
não tarda
avança
em lento voo
de abetarda

o tempo escorre
a vida corre
o dia morre

a noite adivinha-se
tomando posse de tudo
sobe da terra
parte ao meio
o mundo

na barragem do divor
num carro
no meio do escuro
dois amantes
fazem amor

da sua faina
e labor
chegam
uivos
como se
em dor

a noite cai
em clareiras
de estrelas

03 abril 2010

pano para mangas III










arame farpado por todo o lado. não conheço um país com tanto arame farpado.estaremos acaso num país prisão ou de concentração. montes abandonados e arame farpado. portões e cancelas por todos o lado. caminhos fechados a cadeado. rios cercados, mas não interrompidos. que a um rio ninguém o pode impedir de correr...por mais que tentem. é nisto que o alentejo foi transformado. placas de proibição por todo o lado. nos campos do alentejo tudo é proibido. até apanhar espargos! quem será o dono dos espargos que braviamente, nascem na campina. realidade triste dos campos sem cultivo. onde está a liberdade de um campo de trigo. os trigueirões desafiam-se entre si e à brisa que faz ondular os campos de ervas e flores brancas da macela, derramando um perfume inebriante. apenas vacas chocalheiras nos fitam e interrogam, que fazem aqui, que temos de especial para nos olharem desse modo. bonito e triste, este alentejo. sem trabalho e vazio de gente. não será isto contra a natureza. apelos primitivos sobem-me da terra, quando era uma terra sem amos.