22 novembro 2010

no outono








adoro no outono
a frescura das manhãs

o cheiro do lume

os primeiros casacos de lã


as neblinas nos telhados

macias

finas

como bordados

amo o outono a despir-se em folhas

douradas

vermelhas

misturadas
com as folhas desenhadas na calçada

adoro as madrugadas frias

e o cheiro da maresia

que me faz acordar

a julgar que é poesia


adoro o rio

picado

agitado
com mil cores

escuro da cor do barro

barro deste barreiro

lavado
lavrado por pescadores

adoro a fruta de outono

castanhas, marmelos e romãs


as despedidas de verão
o mercado e as bancas coloridas
frescas como as manhãs

outono

é o tempo de que mais gosto

mesmo se às vezes
a contra-gosto
os dias me são pequenos
para fazer tudo o que gosto

adoro o outono

08 novembro 2010

foi para isto que se construiu alqueva?

chocante exploração dos recursos, com vista à produção maciça de lucro
sem qualquer preocupação com o futuro



beleza e racionalidade do olival tradicional




o alentejo está a mudar
a paisagem que eu conheci está a desaparecer
rápida e dramaticamente
qualquer dia não conheço o lugar onde nasci

a planície, terra do pão, já não existe
ninguém cultiva hoje pão, no alentejo

as melhores terras da planície estão agora a ser transformadas em campos de produção de azeite
olivais de produção massiva e intensiva
olivais para produzir apenas por uma dúzia de anos
com árvores controladas para que não cresçam mais que até à altura das máquinas que vão apanhar o fruto
olivais hibridos
com oliveiras fabricadas em laboratórios
que produzem bagas redondinhas, em vez de azeitonas
bagas de oliva

bagas que são, várias vezes ao dia, regadas e pulverizadas para que cresçam e amadureçam rapidamente
é impressionante a quantidade de produtos químicos que são descarregados para os solos, todos os dias, a toda a hora para que não nasçam ervas e morram todos os insectos



entretanto o olival tradicional vai desaparecendo e a produção de cereais que lhe estava associada é quase residual e vai dando lugar a este fenómemo de produção intensissima cujo desfecho é previsível, quanto ao esgotamento dos solos

e ainda pior! é que toda a riqueza produzida não fica no país, porque os donos dos olivais não são portugueses
nem contribuem para o desenvolvimento local, porque empregam escassa mão de obra e destroem a nossa agricultura
além dos benefícios que ainda recebem, pois nem sequer a água da rega pagam durante dois anos

foi para isto que se construíu alqueva?
não creio

e os agricultores alentejanos? porque estão de braços cruzados?



aflige-me e choca-me ver aquilo em que o alentejo está a ser transformado

quando alguém acordar para este problema pode ser tarde demais

04 novembro 2010

madrugadas claras



algures

num alentejo fundo

tanto como o vale do guadiana

entre serras

a de serpa e a de mértola

as noites são mais azuis

iluminadas
apenas
pelas estrelas

o ar leve
tanto

transporta-nos
até júpiter e suas luas

alentejo tão fundo como a noite
como o céu

as palavras são poucas

e

 gastas

é preciso inventar novas

que escrevam esse céu

essa planície
quase
infinita

essas madrugadas
claras

envoltas em tules finos
 de névoas

e os dias trabalhosos
longos
ainda que o sol se esconda cedo

dias de trabalho
esforçoso

 breves

para mim

não para outros