"quando eu nasci,
ficou tudo como estava..."
sebastião da gama
quase nasci debaixo de uma azinheira
numa segunda feira
quente como fornalha
quase em cama de palha
que minha mãe
ceifeira de trigo
cortava
na herdade de belmeque
junto à serra da preguiça
em alentejo largo
de sol a sol
e castigo
no campo do latifúndio
abri os olhos
espantei-me com o mundo
levaram minha mãe
num burro
e
nasci em casa
num burro
e
nasci em casa
na rua do castelo
hoje nº 12,
então não tinha número
naquela aldeia de pias
da vila de serpa
longe de tudo
era grande o mundo
eu nasci e o meu pai estava preso
em caxias
por causa de maio
por causa de maio
antes daquele dia
o
primeiro,
vieram
muitas vezes
buscá-lo
à noite
atrás de grades
o meu pai
trazia
no peito a dor
de um país sem liberdade
ainda nem me conhecia
e as saudades já
que sentia
escrevia-as
nas cartas que alguém lia
e minha mãe escutava
e chorava
quando os seus olhos me viram
eu
sorria
e já tinha meses
herdei de meu pai
essa dor
e
ao longo da minha vida
a tenho sentido
ainda a sinto
muitas vezes
nasci a 25 de maio de 1959