18 dezembro 2012

A condição operária no Barreiro: Primeira metade do séc. XX. Um retrato social - III parte

Bairro no Alto do Seixalinho, Barreiro, 1938

3. Doenças

Por força das circunstâncias em que eram obrigados a viver, a sobrevivência era um desafio diário para muitos operários do Barreiro e suas famílias. Viver em bairros degradados e promíscuos, onde faltavam as condições mínimas para uma vida equilibrada, constituía um passo rápido para o desenvolvimento de doenças, originadas pela falta de saneamento básico e deficientes condições de limpeza.
«…como é possível higiene nas pocilgas e mançardas que servem de moradia a tanto milhar de desgraçados que mal ganham para não morrer? Como é possível o isolamento naquelas casas em que mais de uma família habitam, e em que pais e filhos, numa promiscuidade infame, vivem lado a lado, no mesmo aposento?»[1]

Certos bairros – e até uma grande parte da vila – transformavam-se em locais muito perigosos para a saúde, surgindo aqui e ali focos de tifo.
Foi o que sucedeu em Setembro de 1926, atribuindo a Junta de Freguesia do Barreiro tal fenómeno, à falta de limpeza na vila, que classificava como «péssima»[2]. Tais calamidades, por vezes vitimavam alguns indivíduos e atingiam toda a família, deixando-a incapacitada para o trabalho e em situação de indigência e miséria absolutas.
Segundo revela um Relatório da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, os problemas com a assistência médica, constituíam uma das maiores dificuldades com que se defrontava o executivo, entre os anos de 1930/1934. Especialmente a falta de equipamentos como centros de saúde e hospitais, obrigava ao transporte dos doentes para Lisboa. 

Queixava-se a Câmara por ter de pagar a hospitalização dos doentes pobres, o que representava um encargo «agravado sobremodo pela circunstância da Vila sede do Concelho ter uma população de 17:000 habitantes, na sua grande maioria constituída pelas classes trabalhadoras, sempre crescente, por se encontrar a uma pequena distância de Lisboa e ser, portanto, um centro de atracção na conquista do trabalho e por ser testa de caminho de ferro.»[3]


Pátio, Bairro das Palmeiras, ou Bairro da Folha, Barreiro, 1938

A hospitalização de doentes por parte da Câmara resultava, de um Decreto-lei de 1933, que considerava como doentes pobres “os indigentes e os indivíduos que vivam exclusivamente do seu trabalho, se dele auferirem apenas o indispensável para a sua manutenção” [4].
Ora, segundo a própria Câmara naquela época, apenas «uma insignificante percentagem da população do Barreiro é que não estará em condições de poder aproveitar do benefício concedido»[5], tendo a Comissão Administrativa emitido até à data mais de 700 guias de admissão nos Hospitais Civis de Lisboa, além dos doentes que entraram no Hospital-Escola de Santa Marta, no Instituto Bacteriológico e no Instituto de Oftalmologia. A Câmara queixava-se que a despesa era excessiva, para os seus recursos financeiros e propunha a construção de um hospital.
Por outro lado, a má nutrição contribuía fortemente para o aparecimento da tuberculose, em resultado de uma alimentação desequilibrada, minguada e desprovida, em última análise pela fome, o que não era difícil de suceder neste meio. O problema ainda se podia agravar mais porquanto, num espaço em que tudo se partilhava, o contágio era rápido e tanto podia ser uma família inteira, como uma sala de aula.
A tuberculose parecia constituir um tal flagelo que, até as actividades de carácter social que juntassem muitas pessoas, representavam um perigo para a saúde pública, pelos riscos de contágio.
«Pela autoridade local foi determinado que as sociedades de recreio locais não possam realizar mais de dois bailes por mês, a fim de evitar a propagação da tuberculose.»[6]
A respeito da tuberculose, sobretudo nas crianças em idade escolar, cita-se  aqui uma afirmação  do Presidente da Câmara Municipal do Barreiro Joaquim José Fernandes,  contida num relatório de 1948, onde pode ler-se o seguinte:

«Há poucos meses ainda, um médico desta vila afirmava que mais de 70% das crianças do Barreiro acusavam primo-infecções tuberculosas»[7] e referia mais: que os próprios professores primários observavam não ser possível exigir um rendimento intelectual mais elevado às crianças, mesmo em épocas de exame, em virtude de serem «raras as que podem resistir a um trabalho mais intenso sem acusarem graves sintomas de fadiga.»[8]

Referência ainda, para uma informação que a Comissão Municipal de Assistência, enviou ao Delegado do Dispensário do Barreiro em 1946, onde aconselhava a criação de uma sala de espera para os doentes. Diariamente, à porta daquele estabelecimento, esperavam consulta muitas pessoas e a presença «desses infelizes na rua, permanência que é assaz desagradável para todas as pessoas que transitam junto dessa instituição» era incómoda, pela exposição pública do problema.

Por fim, e para finalizar este tema, refira-se que, a tuberculose nos anos 40 era uma grande chaga social e um dos sintomas mais visíveis, das deploráveis condições de vida de parte significativa da população do Barreiro.

Notas:
1. - GAGO, Alves - «A tuberculose e a higiene», Eco do Barreiro, 8 Julho, 1931, p.6
2. - Junta de Freguesia do Barreiro, Livro de Actas da Junta, 1923-1931
3. - Arquivo Municipal do Barreiro (AMB), «Comissão Administrativa Relatório 1 de Maio de 1930 a 31 de Dezembro de 1934», Barreiro, Câmara Municipal do Barreiro, p. 55
4. -  D.L. nº 23:348, de 13 de Dezembro, 1933
5. - AMB, «Comissão Administrativa Relatório 1 de Maio de 1930 a 31 de Dezembro de 1934» p. 56
6. - GAGO, Alves - «A tuberculose e a higiene», Eco do Barreiro, 8 Julho, 1931, p.6
7. -AMB, «O Problema Habitacional no Concelho do Barreiro – Estudo – 1948», CMB/M/A/ 04.01/Cx 02 1945-51, p. 34
8. -  Idem


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