texto do escritor mário de carvalho que me foi enviado por e-mail, que agradeço
Falemos
agora de decência. É um conceito que não tem que ver com o sapatinho de vela no
verão, o esgoleiramento da camisinha branca ao fim-de-semana, os gestos miúdos
do chazinho ou a mãozinha no volante do Porshe, nem com os objectos «de marca»
que irmanam paradoxalmente os extremos do espectro social. Vadios de cima e
vadios de baixo (Eça confrontava-os no Chiado) entusiasmam-se pelos mesmos
efeitos. Apuradas as razões, hão-de encontrar-se num subterrâneo fio de ligação,
mais ou menos disfarçado: frivolidade iletrada. Aos de cima, chamou a doutora
Isabel Jonet «elite», por manifesto equívoco. Como se no país não existissem
cientistas, arquitectos, engenheiros, artistas, professores, médicos, advogados,
e tudo tivesse que rasar-se pela bitola de alguns economistas, banqueiros,
«gestores» e ociosos.
Mas
a plutocracia que tem mandado nos destinos dos portugueses transportou para o
Estado os seus pequenos hábitos de manobrismo, de expedientes, habilidades,
truques, quando não de falcatrua, que retiraram à entidade a sua natureza de
«pessoa de Bem». Ser «de bem» é uma noção que está fora do alcance de quem
apenas acha meritórios o lucro e as negociatas. Coisa abstracta e «intelectual»,
própria de «otários» para utilizar a linguagem das cadeias que acaba por não ser
muito diferente, numa perspectiva de extremos tangenciais
É
assim que vemos governantes a colocarem o Estado Português na situação de violar
os compromissos tomados para com os seus trabalhadores e aposentados. A ignorar
prazos contratuais. A incumprir as promessas juradas perante o seu eleitorado. A
fazer negaças às própria constituição. De modo tão flagrante e provocatório que
lhes fez perder a legitimidade formal que detinham à
partida.
Ora
quem se coloca fora da lei está a pedir um tratamento fora da lei. Mas eles não
estão apenas a pedir pedradas. Estão a pedir o confisco dos seus relvados, dos
seus automóveis, das suas casas, das suas piscinas, dos seus valores
mobiliários, dos seus quadros, dos seus cavalos, das suas jóias e luxos e a
supressão de todas as mordomias. Não que isso seja economicamente relevante. Mas
significa a reposição de um mínimo de decoro.
Ser-lhes-á
então tarde para perceber que numa situação de ruptura a própria polícia mudará
de campo. Certos jornalistas descobrirão escrúpulos éticos insuspeitados.
Economistas e contabilistas virão dizer que foram mal interpretados e nunca
proferiram aquelas coisas. Irromperão múltiplos vira-casacas e desertores da
tirania de mercado, dispostos a pisar a livralhada de Milton Friedman e a cuspir
no retrato emoldurado da Senhora Thatcher.
E
lá terão as pessoas de bom senso de arriscar a reputação e a pele para evitar
que se maltratem umas dúzias de plutocratas amedrontados e seus serviçais de
fatinho, rojados pelo chão, de folha de cálculo à mostra.
MdC
20-12-2012
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